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Manual saudável contra o desperdício de comida

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De segunda a sexta, por três horas, o jantar é servido para pessoas em situação de risco na Rua da Lapa, no Rio de Janeiro. Mas não se trata de um sopão. Os pratos que chegam ao salão do Refettorio Gastromotiva enchem os olhos. Mais do que a cara gourmet, porém, o que deslumbra nesse projeto social é que ele é referência em reaproveitar alimentos que normalmente vão para o lixo. Esse, aliás, é o destino de um terço do que é produzido no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

Eis um enorme contrassenso: enquanto se joga fora por ano 1,3 bilhão de toneladas de comida, 800 milhões de pessoas passam fome. No Brasil, enquanto 14 milhões de cidadãos não têm o que comer, o equivalente a 22 bilhões de calorias vão parar na lixeira – quantia que resolveria a situação de pelo menos 11 milhões desses brasileiros.

O Refettorio Gastromotiva é uma das iniciativas que despontam pelo país para amenizar e reverter o quadro. O espaço dos chefs estrelados Massimo Bottura e David Hertz funciona como uma escola, onde cozinheiros convidados e seus alunos preparam voluntariamente os pratos com ingredientes excedentes em outros estabelecimentos. Nesse contexto, ganha força inclusive um movimento internacional, o Stop Food Waste, que encabeça ações contra o desperdício.

Existem vários motivos técnicos – que afetam a cadeia de produção e consumo dos alimentos – para explicar o volume de comida descartada no Brasil. Mas não podemos excluir uma herança cultural enraizada em muitos lares.

“Independentemente de classe social, valorizamos demais a fartura à mesa e temos aversão ao consumo de restos”, analisa Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu. Pense na quantidade de comida que sobrou e foi eliminada na sua última refeição em família. Multiplique pelo número de famílias do seu prédio, da sua rua, da sua cidade… São gramas que viram quilos, que viram toneladas.

As porções que vão para o lixo pesam no bolso e cobram uma conta ainda mais cara do meio ambiente. “Cada ingrediente exige recursos para sua produção (água, terra, energia elétrica..) e, assim, colabora com o aquecimento global“, aponta Mattar. Quando não é consumido, então, esse impacto ocorre em vão. Se toda a comida perdida anualmente representasse uma nação, dá pra dizer que ela ficaria entre as três maiores emissoras de gases do efeito estufa, atrás da China e dos Estados Unidos.

O desperdício de alimentos por aqui já motivou um projeto de lei: o texto 3070/15 tramita na Câmara e tem como objetivo minimizar os resíduos e facilitar as doações por meio da criação de um banco de alimentos. A proposta prevê até detenção para quem não seguir as regras. Mas os especialistas no assunto acreditam que, antes de punir, é preciso disseminar conhecimento em todas as etapas da cadeia, do campo à cozinha.

“Além do desperdício, quando se joga um alimento fora deliberadamente, trabalhamos com o conceito de perda, que ocorre por falta de informação. E isso começa na propriedade rural. Sem conhecimento, o agricultor pode escolher uma variedade de semente inadequada para o solo que tem e colher alimentos de pior qualidade, que não atendem aos critérios de seleção do mercado”, explica Murillo Freire Jr., pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos.

“Outro erro comum é não se antecipar ao clima. Uma safra de hortaliças colhida num período de chuvas acumula umidade nas folhas, ambiente ideal para fungos que reduzem a vida útil da verdura”, exemplifica. Só nessa etapa se estima uma perda de 28% de tudo o que foi plantado.

O problema se agrava com a logística deficiente: muitos alimentos não resistem à viagem entre o campo e a cidade. “Falta cuidado na manipulação do produto. Imagine um caminhão de bananas. Ele provavelmente carrega mais do que deveria para diluir o valor do frete. E, com as estradas ruins, as frutas que ficam embaixo nos caixotes sofrem com o impacto e podem estragar”, aponta Freire Jr.

O uso das lonas cobrindo a carga também aumenta a temperatura e acelera a maturação dos vegetais. Depois de tanto aperto e calor, a FAO contabiliza que 22% do que foi vendido pelo produtor não chegue ao seu destino. Se o produto fizer uma parada na indústria para beneficiamento, perdem-se mais 6%.

O que sobreviver a toda essa aventura ainda precisa corresponder às exigências dos atacadistas e varejistas – e cerca de 17% dos vegetais não se encaixam nos padrões desejados de tamanho, cor e formato. “São alimentos perfeitos do ponto de vista nutricional, mas rejeitados pela aparência”, nota Valéria Paschoal, nutricionista e embaixadora do Stop Food Waste Day no Brasil.

O desperdício nas etapas de produção e consumo

1. Colheita
Muitas vezes, com o preço em baixa no mercado, em vez de colher, o agricultor prefere manter o alimento na terra como adubo.

2. Armazenagem
Os locais onde são guardados os cereais atraem fungos e outras pragas, que costumam levar a uma grande perda desses produtos.

3. Transporte
Frutas e legumes não raro sofrem com o aperto, o calor e o impacto das estradas, chegando aos mercados fora do padrão desejado.

4. Distribuição
O problema está na falta de mão de obra e locais de estocagem adequados, o que deixa os alimentos expostos a insetos e intempéries.

5. Mercado
A tendência dominante ainda é descartar os produtos que não estão dentro das preferências estéticas do consumidor.

6. Cozinha
Falta conhecimento para aproveitar o ingrediente como um todo e há preconceito quando se fala em restos ou pequenos defeitos superficiais.

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A cabeça do consumidor está mudando

Segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), a venda de alimentos orgânicos no país cresce 20% ao ano e já existem 15 mil propriedades certificadas ou em processo de transição para esse tipo de produção.

“O orgânico é menor e não tem aquela imagem perfeitinha de gôndola, mas pela ausência de agrotóxicos pode ser aproveitado por completo”, afirma Valéria. Há outro ponto interessante: 75% da cultura de orgânicos é feita em propriedades familiares e vendidas em feiras ou pequenos comércios. “Comprar diretamente do produtor elimina a necessidade de transporte e distribuição, reduzindo drasticamente as perdas”, observa Freire Jr.

Claro, nem todo mundo tem essa possibilidade, mas até os grandes varejistas perceberam os novos ventos. “Hoje o consumidor se preocupa muito mais com o impacto do que ele compra”, diz Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade do Carrefour Brasil.

A rede se comprometeu com a causa do desperdício e está aplicando oito ações em suas lojas. Algumas gôndolas alojam o programa Únicos, focado em vegetais não tão bonitos, oferecidos com desconto e dicas de aproveitamento.

Também há a preocupação com a geração de resíduos: agora os alimentos perto do limite da validade são sinalizados e têm preços reduzidos. Aqueles que, mesmo assim, não forem vendidos são encaminhados para doação – mais de 2 500 toneladas tiveram esse destino.

O limite da validade é outro tópico que está em discussão: ele deve ser seguido rigidamente em todos os estabelecimentos e respeitado pelo consumidor. Mas existe um consenso entre os especialistas que o método atual financia o desperdício. “Muitas vezes a data impressa na embalagem não significa que o alimento vai estragar imediatamente, mas que perde características sensoriais como a crocância e o aroma”, conta Freire Jr.

Em países como a Alemanha, já existem experiências para abolir a data rígida e substituí-la por indicadores da real situação do produto. “É uma etiqueta verde que reconhece indicadores de processos químicos e fica vermelha quando o alimento se torna impróprio para o consumo”, descreve o pesquisador da Embrapa.

A diminuição do desperdício de redes como o Carrefour traz economia para as empresas, que jogam menos produtos fora, e para o cliente, que ganha descontos. “Mas, além da vantagem financeira, é preciso informar para que a pessoa compre com segurança e saiba o que fazer com esse alimento assim que sair da loja”, diz Pianez. Não à toa, o Carrefour lançou um canal educativo online.

Tem outros atores de peso de olho nessa necessidade. Caso do projeto Stop Food Waste Day, que aqui no Brasil é uma ação da GRSA/Compass, empresa de restaurantes que alimenta quase 2 milhões de pessoas por dia. “Não se trata apenas de aplicar na cozinha industrial, longe de todo mundo, as melhores práticas de sustentabilidade. E, sim, de repassar a mensagem e mostrar como isso pode ser feito na casa de cada um”, defende Valéria.

Não há por que abrir mão de partes dos ingredientes sem antes pesquisar se elas não podem ser aproveitadas. Muitas vezes, temos minas de nutrientes descartadas de cara. O talo da cenoura, por exemplo, reforça a salada e tem um monte de cálcio. Não estamos falando de forçar a barra e comprometer o sabor das refeições. Pelo contrário: restaurantes de alto padrão fazem sua parte tratando o que era “lixo” como um diferencial nas receitas.

“Na minha cozinha nem casca de fruta é lixo! A de abacaxi vira maionese e a de banana uma caponata que acompanham os pratos principais”, conta o chef Renato Caleffi, do Le Manjue Organique de São Paulo, outro embaixador do Stop Food Waste.

A tecnologia é outra aliada desse movimento. O freezer comporta os ingredientes que não são usados no momento. Aplicativos de celular, por sua vez, ajudam a calcular o tamanho da compra, montar menus e avisar que é bom usar determinado item antes do prazo de validade.

Olhar para o passado também é bem-vindo. “Hoje em dia as pessoas ficam contando calorias, carboidratos e proteínas e esquecem que a comida também alimenta nossas relações, o que se reflete em um menor desperdício”, acredita Valéria.

É só lembrar da casa das nossas avós! Lá o arroz que sobrava no almoço virava bolinho no jantar. As frutas muito maduras se tornavam geleia, suco ou enriqueciam o bolo. “Evitar o desperdício não tem nada de complicado ou chato. Basta pensar com carinho nos ingredientes e nas pessoas que dividem a vida e o planeta com a gente”, aconselha Valéria. Que tal botar essa receita em prática?

8 táticas contra o desperdício

A nutricionista Gina Marini, do Sesi, ensina como driblá-lo no dia a dia:

Planeje-se: Pense no cardápio da semana e faça uma lista de compras – evite ir além dela para não gerar acúmulos.

Foque: No mercado, pegue primeiro alimentos não perecíveis e deixe para o final os que pedem refrigeração.

Compre pouco: E reponha, se precisar. Essa é a melhor tática para que frutas e verduras não estraguem.

Aprenda: Diferencie um alimento com defeitinhos dos estragados. Verifique aroma e consistência.

Organize-se: Na despensa, posicione na frente os produtos que estão mais próximos do vencimento.

Congele: Se perceber que não vai usar frutas e legumes a tempo, leve-os ao freezer e utilize quando puder.

Recupere: Folhas murchas podem voltar a um bom estado com uma imersão em água com gelo.

Teste: Vegetais mais maduros ou não tão bonitos podem virar geleia, sopa, compota, molho…

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As cifras do desperdício

1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas todos os anos no mundo todo.

15 milhões de toneladas anuais é o tamanho do desperdício no Brasil – uma média de 223 kg por pessoa.

800 milhões de pessoas passam fome no planeta, apesar de haver comida jogada no lixo.

348 mil toneladas de alimentos vão para as lixeiras diariamente na América Latina.

Cada cidadão desperdiça 200 gramas de comida por dia. Nutrientes e dinheiro no lixo.

Campeões do lixo

Frutas e verduras: Por serem mais perecíveis, são as líderes do desperdício: 55% do que é produzido vai para o lixo.

Vegetais: Todos os tipos sofrem perdas: jogamos fora 25% dos cereais, 40% das raízes e 20% das leguminosas.

Proteínas: São perdidos 20% das carnes, 20% dos produtos lácteos e 33% dos peixes e mariscos comercializados.

Nações: A perda per capita anual chega a 300 kg na Europa/América do Norte, 220 kg na América Latina e 170 kg na Ásia/África.

Fontes: Global Food Losses and Food Waste, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), e Instituto Akatu

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Um Brasil mais inclusivo para quem tem alergia alimentar

A alergia alimentar – que pode envolver uma reação do organismo a leite e derivados, ovo, soja, trigo, frutos do mar, entre outros – atinge cerca de 6% das crianças e 3,5% dos adultos no país. Suas manifestações podem ser tardias ou imediatas – neste caso, há risco inclusive de situações mais graves, como a anafilaxia, potencialmente fatal.

Mas esses números ganham outra dimensão quando a alergia alimentar entra em nossa casa. Sabe aquela sobremesa típica do almoço de domingo? Não pode mais!

O que eram momentos de confraternização e prazer não raro se tornam uma cena de temor quando algum familiar sofre com reações alérgicas a um ou vários ingredientes. “Mas nem um pedacinho?”, “E se raspar a cobertura?”, “Tadinho!”… Essas são algumas das frases comuns em tais ocasiões. E nem sempre é fácil lidar com as restrições.

Tampouco é uma tarefa simples ler e entender os rótulos dos alimentos para prevenir as manifestações da alergia alimentar. Até junho de 2015, não podíamos sequer confiar nas embalagens de alimentos e bebidas. O problema? Lista de ingredientes com letras minúsculas, palavras técnicas, como caseinato ou lisozima, além da omissão de informação sobre o risco de contato com alguma substância alergênica durante a produção – o “Pode Conter” que hoje, felizmente, a gente vê nos rótulos.

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A aprovação da nova regra para destacar os principais elementos alergênicos nos alimentos industrializados foi uma importante conquista, ainda que nem toda empresa cumpra corretamente com as exigências da rotulagem nem outros setores, como os de higiene, cosméticos e medicamentos, tenham sido alcançados por legislação semelhante.

Foi em um cenário de falta de informação sobre alergia alimentar que, em 2014, surgiu o Põe no Rótulo, movimento social que trabalha para viabilizar uma maior conscientização e melhorias na qualidade de vida de quem convive com a condição. A alergia alimentar impacta o dia a dia de cada vez mais crianças e adultos, bem como de seus familiares.

E é por isso que nossa iniciativa quer ampliar o conhecimento e a divulgação a respeito, apoiando inclusive a instituição da Semana de Conscientização sobre Alergia Alimentar na terceira semana de maio de todo ano. Acreditamos que, quanto mais informação a população brasileira tiver sobre o assunto, maior e melhor será o acolhimento de quem tem alergia alimentar.

*Cecília Cury é advogada, mestre e doutora em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e fundadora do movimento Põe no Rótulo

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